terça-feira, 21 de agosto de 2007

50 ANOS DE MEMÓRIA

(aos nossos Pais; àos nossos Mestres; às nossas Noivas)
Bom, é assim, vamos lá falar com calma!
Esta é seguramente a nossa última reunião para comemorar as chamadas “bodas”. As “de prata” já
se perdem nas brumas da memória. Há 25 anos todos estávamos ainda no activo, todos tinhamos
capacidade de realizar e de sonhar, de escalar montanhas ou fazermos longas incursões no mar,
deslizar na neve ou enfiar um par de chapadões num larápio ocasional que tentasse sacar a carteira
a uma desconhecida velhota ao pé de nós.
Dos cerca de 30 que nós éramos – juntámo-nos, há 25 anos, pelo menos 20. Os outros, que faltaram,
andavam pelo Mundo, tentando conquistá-lo, ou, os mais sonhadores buscando transformá-lo.
Hoje, volvidos outros 25, dos trinta e tal já faltam muitos. Alguns porque definitivamente nos
deixaram, outros pelo incómodo intransponível que é deslocarem-se meia-dúzia de quilómetros,
quantos, espera-se que poucos ou nenhuns, podem, nesta hora, “gozar”a alegria forjada de um Lar
da 3ª.idade, lançando serpentinas e confétis, apitando em cornetinhas de plástico, vestidos de
arlequim ou de palhaço, com um chapéu de papel-de-lustro de cores vivas, com borlinha na ponta a
abanar.
É, não é, a crueldade da vida!
Vamos lá falar com calma!: a Estatística, a Demografia, a Gerontologia – lá o raio que os parta –
dão-nos, em média,menos de uma dezena de anitos para podermos contemplar o radioso nascer-dosol
ou o seu soturno sumir-se por detrás dos Montes. A realidade é esta!
Ó Malta, ALTO Ó ALTO CHARRUA, ALTO Ó ALTO CHARRUA! mas qual de nós, dos que
acabamos de nos abraçar, de escavar lembranças radiosas, de verter uma lagrimita de saudade, qual
de nós se perde a pensar que semelhante “maldição” um dia se abate sobre nós?
Ninguém, claro, sai um copo e um brinde à nossa eterna Juventude!
Folheando o vélhinho, de 50 anos, Livro de Fim-de-Curso, dou comigo a ler as tolices que escrevi
quando ainda não chegava aos 20. E vou retomar alguns desses devaneios para dar resposta ao RUI ,
ao seu pedido insistente para que escreva alguma coisa sobre as nossas Noivas, os nossos
Mestres....etc.etc.
(dizer, entretanto, que este nosso encontro se deve em particular à carolice dos jovens Rui de
Carvalho e Vasco Passanha, com recurso a mim – para alinhavar a “prosa”- recorrendo, eles, a
muitos dos seus euros e das suas horas, que vêm consumindo ao longo de alguns meses. Mas
também ao Costa e ao Simões, que, não sendo do Curso, é justo se destaque a sua generosa
participação nesta difícil tarefa. E a outros que não cabe aqui citar, mas que nem por isso são
esquecidos )
Seguiria então o nosso livrinho de memórias, e comentaria os tais simulacros de versos, de poemas,
que na altura me foram solenemente encomendados:
AOS NOSSOS PAIS
– paizinhos, partimos dentro em breve.....
– da Escola, claro, e não da mas para a VIDA. Mandem-nos dinheiro....( o eterno apelo: para
livros- ainda não havia fotocópias, eu, pessoalmente, lembro-me de que estava a pagar um par de
sapatos que tinha comprado à tia Maria Boazinha: nem chegaram a ser estreados – eram do meu
defunto marido)dinheiro que não vinha em cheque ou tranferência bancária ou artifício
semelhante – em dinheiro vivo, uma ou duas notas de mil, em carta, acompanhados de outras
tantas recomendações de moderação nos gastos.
Pois nesta hora – talvez a derradeira -
– pedimos de mãos postas, como há anos,– desculpa de toda, e tanta, brincadeira,
– de tantos dissabores, de tantos desenganos
– Isto porque o pessoal não raro adiava a passagem de ano – fosse pela aridez da matéria
tecnológica Penedo, do empastelanço da Agricultura Geral Piçarra, não tanto pela Mecânica
Agrícola suave de Sardinha. Ah, e havia ainda uma Patologia Vegetal, ou coisa semelhante,
Vilela, se não erro, que também não era pera doce. Certo, certo, é que a rapaziada à s vezes tinha
que chegar a casa e transmitir a notícia funesta do hoje chamado falta de aproveitamento
escolar. Modernices!!!
– Nossos Pais e Mestres estão hoje, infelizmente, na mesma vasta categoria dos desaparecidos.
Invocamos, com respeito, a memória de todos, e pouco mais nos resta do que recordá-los.
– Já com as nossas NOIVAS assim não acontece. Muitas delas acabaram por casar connosco,
tiveram que aturar-nos até hoje, sobrevivem, também pela estatística, àqueles que já não podem
de todo estar presentes.
– Quantas lágrimas sabe Deus choraram
– quando ao ver-nos partir – tristes momentos-
– quantas lutas por nós, doces tormentos,
– nos peitos clamorosos se travaram
quantas de vós em nós depositaram
vossas vidas por nossos mandamentos
Quantas de vós, por nós, são elementos
gémeos dos próprios que sonharam
Já agora o resto. Também eu estou velho. Mas não deixa de me agradar aquilo que escrevi,destinado
a todos, de maneira ingénua há meio-século. Estou sózinho no Monte, é quase meia-noite,
acompanha-me a música inspirada de Chopin. Já gostava de Chopin quando escrevia esta espécie de
soneto às Nossas Noivas.
Não nos teremos nós sacrificado
por alterar dos livros o seu Fado
chumbando um ano ao pôr de parte o estudo?
Triste missão, sublime entendimento:
sacrificar tão pouco a tanto alento,
sacrificarmo-nos -nada- por vós Tudo
Quantos de nós casámos com as nossas "noivas" da altura? Que ternura é ver como assinavam os
versos que então nos dedicavam:
para sempre tua Margarida; da tua noiva amada Rosalina; eternamente tua... ; ALGUÉM....
Já somos só passado. Para trás de nós não resta nada: nem Pais, nem Mestres, nem a própria Escola.
Morreram de vez os jardins edénicos onde os dias da nossa mais forte juventude se passaram.
Lagos, cascatas, amoreiras frondosas, tílias, intermináveis caramanchões de buganvílias, rosas,
flores...
Porque cada vez mais curto, resta-nos pensarmos no futuro. Nos filhos, nos netos sobretudo.
Só por aí, por eles, nos é legítimo acreditar que podemos dar continuidade à nossa loucura e aos
nossos sonhos.
Grande abraço a todos
NOTA – esta prosa destina-se a ilustrar uma publicação caseira de comemoração dos 50 anos
do Curso de Regentes-Agrícolas- da Escola de Évora

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