segunda-feira, 13 de agosto de 2007

HUMOR E AMOR – NÓS TINHAMOS

Para dar e vender
Comigo o cartaz da nossa Garraiada – era Domingo, Maio 18, sendo o ano da Graça de 1958.
A garraiada dos finalistas da Mitra era um acontecimento social para a paroquiana cidade de Évora.
A rapaziada passava anualmente por alguns episódios ligados à chamada Festa Brava, sobretudo
participava em Ferras – que era a marcação da bezerrada com o estigma tatuado a fogo do “ferro”do
normalmente abastado seu proprietário.
Alguns, da rapaziada, eram eles-próprios familiares de proprietários de ganadarias. O que, à partida,
facilitava estas trocas culturais: toureava-se; capeava-se – com capote ou qualquer capa
improvisada; pegava-se – de caras e cernelha; davam-se, sobretudo, ciclópicos trambolhões. As
vacas, velhas e sabidas, eram peritas nesta prática.
Lembro-me de na Corrida anunciada no Cartaz – anual, de 18 de Maio de 58 – enfrentar um desses
cornúpetos carregados de malícia, a tarde era escaldante, a hora a própria dos grandes
acontecimentos desta natureza: las cinco em puento de la tarde.... Praça bem composta, quase cheia,
Benilde, a minha madrinha/namorada não parando de incitar-me: chega-te ao bicho, avança,
António, ele não morde....
E eu, poça, se eu tremia. Uma capa amarela de um lado e cor-de-rosa de outro, que ia agitando em
movimentos pendulares à minha frente, até que a vaca, que sempre se esteve nas tintas para as cores
berrantes do engodo e nem por um segundo deixou de medir-me bem os pés quietinhos e unidos, a
vaca disparou, com a armadura a rasar a areia da arena, pegou-me bem pela base e atirou-me ao céu
como um espantalho, um fantoche de feira, um espanta-pardais de quinchoso suburbano. Depois do
que me pareceu uma eternidade no ar – em cambalhotas, piruetas , loopings – aterrei, na precisa
posição oposta de que tinha arrancado de forma involuntária: de cabeça para baixo.
Lembro-me vagamente de ter acenado, de uma nuvem de pó e entre uma vozearia indistinta vinda
da chamada teia, para a minha madrinha/namorada, que agitava um ramalhete de flores destinadas
a premiar-me ao fim da lide.
Perdi por momentos os sentidos; retiraram-me em braços das investidas reiteradas da famigerada
vaca. Despejaram-me água pela cabeça abaixo, abanaram-me com leques e com lenços,
perguntaram se me sentia bem, sopraram-me na testa, tive a sensação de ter sido tocado pelos lábios
de Benilde...
Relatado o aparte, retomemos então o propósito do Cartaz:
Começa assim: GRANDIOSO, DESLUMBRANTE ATRACTIVO E TRADICIONAL
FESTIVAL TAURINO
Não sei bem porquê – presunção de lado – acho agora, volvido que é meio-século, que o meu
sentido de humor lavrou a todo o pano na feitura do prospecto!!! Palpita-me!
8 -MALCRIADAS & PENEIRENTAS ALIMÁRIAS -8
que confraternizarão amen...amente com os afamados diestros, num sensacional banquete com a
seguinte ementa:
ver comer talvez tenha mais beleza
se os pratos, como tais, são primorosos:
1º. prato: boa sopa de corno à portuguesa
2º.prato: corninhos fritos – com salada de ossos
Nota à margem: podem bisar-se os pratos sem pagar
se alguém, cá de fora, lá entrar
Mais um breve apontamento – para reiterar o nosso requintado humor:
2 – valentíssimos(?) grupos de forcados – 2
1º. Grupo:
12 – desgraçados & mal-aventurados moços de forcados -12
que tentarão brilhar a grande altura – consoante a leveza de cada um
e a potência da cornada.......
E pronto. Parece mentira – mas era assim há 50 anos.
Não me venha dizer que não divertiu!!!
Ah, e um beijinho à Benilde

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