quinta-feira, 9 de agosto de 2007

NOVA CARTA ABERTA A UM JOVEM CIENTISTA

Estás de férias com família, na Praia do costume, com a roupa habitual das circunstãncias, com um
pequeno cabaz de vícios e costumes que vens acumulando desde a infância. Menos de um mês.
Talvez uns vinte dias – que os tempos não vão para extravagâncias.
Lembro-me de ti porque acabo de ler uma entrevista de Feynman, Richard Feynman, nóbel da
Física, pintor, sobretudo comunicador de ciência, talvez como Sagan. E também porque acabo de ir
espreitar o meu viveirinho de alfaces a flutuar no tanque de mil litros sombreado por ocasional
amoreira plantada pela incontinência ingénua dos pardais.
Ontem arranquei batatas. Do meio de um ervançum que me dá pela cintura – porque renunciei de
vez à utilização de herbicidas. Roçar primeiro as ervas, juncar o chão do batatal de milhãs e erva
pessegueira, depois cavar a terra farejando vestígios de batatas: uns pequenos berlindes roxos nas
primeiras cavadelas, há que ter cuidado porque a menos de um palmo estão dois ou três tubérculos
de peso.
No meio das ervas, e também espontâneas, uma pequena floresta de abóboras decorativas,
remanescentes da época transacta.
Enquanto escrevo, os noticiários referem – como curiosidade mediática – que desapareceu o
derradeiro golfinho Branco de um dos grandes Rios da China. Não mais, no mundo, golfinhos
brancos.
O excesso de nitratos e os pesticidas acumulados nos terrenos ( foste tu que mandaste analisar
analisar a agua do meu poço ) acabaram com salamandras, sapos e outros bicharocos que precisam
de manter a pele humedecida. De água, claro, não de azoto de síntese e de produtos letais para os
seus corpos frágeis. Os próprios pirilampos (anjos voadores iluminados do meu imaginário de
infância) desapareceram, como os golfinhos brancos dos grandes Rios da China. Sabes que as
próprias minhocas – que pululavam no lodo do sabão-azul dos tanques de lavadeiras- as próprias
minhocas se tornaram raridade? Os “inócuos” detergentes – potentes biocidas – mais dia menos dia
vão também exterminá-las de maneira irreparável?
E que falta fazem as minhocas? E as salamandras e os sapos – se até têm aquele aspecto repelente
que nos leva a cuspir-lhes para cima?
Jovem cientista, lembras-te das minhas“brincadeiras com as placas flutuantes”? Não desisti ainda!
O meu amigo Abílio, dos Canaviais, mecânico de profissão, adoptou-as como método exclusivo de
obter plantas de viveiro. E também de produzir tudo o que se possa imaginar. Até cenouras em
forma de pirâmide.
E um conceituado produtor,alemão, de plantas aquáticas também ele se interessou por saber como
as coisas funcionavam. De resto, mais ninguém!
Retomaria então a credibilidade científica do Nobel da Física:
A ciência não nos ensina nada. O que nos ensina é a experiência.
Eis o que é a ciência: a descoberta de que vale mais verificar tudo através da experiência do que
confiar na experiência transmitida do passado.
A beleza e a maravilha do Mundo tal como as descobrimos através dos resultados de experiências
novas.
Permito-me sugerir-te que aproveites estes últimos dias de férias para conheceres o espírito do
Homem. E como sei que dispões do que julgo seja a a ferramenta indispensável do homem da
ciência: curiosidade crítica, a minha ousadia de te falar de Feynman.
Bom fim de férias para ti e família. Eu continuo de sequeiro, à espera de (re)fazer exame de
Condução

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