segunda-feira, 13 de agosto de 2007

GENTE QUE NÃO DAVA MÃO

Recuando meio-século, onde é hoje um polo da Universidade de Évora, em Valverde, florescia uma
sub-espécie sapiens que dava pelo nome de "regentes agrícolas".
Constituida por especimes vulgarmente rudes, mas sensíveis, dominavam o Habitat num regime
caçador/recolector – que punha em risco, indescriminadamente, todos os outros seres-vivos do
ecosistema:
dos pacíficos pombos e aves de capoeira às corpolentas ovelhas e suinos de montado. Das
bucólicas pardelhas da Ribeira(quando era altura disso) aos bíblicos cordeiros amamentados a
biberon por todos os membros da família. Nada escapava à voracidade insaciável de uma centena
e meia de elementos desta sub-espécie.
Viviam em grupos- melhor dizendo em Hordas- obedecendo a impulsos naturais, controlados por
líderes informais, ciclicamente renovados.
Cumpriam rituais, por vezes sacrifícios – a que chamavam Praxes- mas eram capazes de rasgos de
ternura e de solidariedade que só recentemente os governos entenderam assumir.
Este bando de energúmenos chamou a si – quando era desconhecida a hoje designada Segurança
Social- o cuidado global: vestir, calçar, alimentar, fornecer abrigo, acarinhar – a 3 ou 4 velhotes
retirados da prática diária de mendigar pelas Ruas.
Esta sub-espécie, de que restam poucos exemplares, usava
F A R D A S
uma de trabalho – botas caneleiras de cabedal
calças de ganga azul
camisa – também de ganga azul
chapéu cinzento de aba larga
Blusão de saragoça
(naturalmente acastanhado)
tolerados, para uso interno,
safões de pele de borrego
era a farda diária – das aulas,
práticas mas também teóricas,
de jogar à bola ou
das fugas pela Ribeira
à caça das galinhas dos vizinhos.
Era assim fardados
que partíamos em bandos
à conquista da Cidade.
E a invadíamos como um hálito
-as meninas finas
do Colégio de freiras
diziam, coradas,
que nós cheirávamos a cavalos.
Os polícias
olhavam-nos de lado,
as mães redobravam
vigilância sobre as filhas,
os donos das Tabernas
não escondiam um sentimento duplo:
de medo pelos distúrbios
de interesse pelo lucro
com esta farda
com o passar dos anos já puída -
tanto nos debruçávamos
sobre os balcões de mármore dos tascos
como de seguida
podíamos ajoelhar
na atmosfera mística
de um Templo
anjos/demónios
era aquilo que nós éramos
o punho
que esmurrava um rosto
numa briga
abria-se em carícias
para o rosto púbere
da última namorada
ou cozinhava a ceia
de meia-dúzia de velhotes
em Valverde
quando a Segurança Social
era estender
a mão a quem passava
Tínhamos outra farda
– mais farsa do que fardaque
vestíamos quando éramos solenes
igual à que
tanta vez vestimos
ao longo dos 50 anos
que nos separam agora
de meninos
De GALA
assim chamada a farda
– que era a de sermos sérios,
dos momentos solenes,
de ser, quando a vestíamos,
aquilo que não éramos

Nenhum comentário: