terça-feira, 26 de junho de 2007

BLOGANDO & ANDANDO

Claro que continuo a falar de mim. José Gomes Ferreira escreveu um livro – que li há mais de 30
anos – com o subtítulo: Ou o gosto de falar de mim-mesmo.
Há mais de trinta anos... É bestial! Há mais tempo do que a idade dessa rapaziada toda gira que anda
por aí pelas esplanadas, a passear a Feira de S.João, a comemorar seu fim-de-curso, a sonhar
namoradas à sombra rendilhada de buganvílias enluaradas, a crer que é bem capaz de mudar o
mundo, a escrever poemas e a inventar estruturas de moléculas, bestial – há mais de trinta anos!
Estou como se estivesse enfermo. Amigos finalmente vêm visitar-me, o Quim e a Manela cuidaram
de se fazer acompanhar de um pão e um paio de porco preto alentejano, o Zé e a Teresa – que não
via há tanto tempo- trouxeram-me uma magnífica garrafa J B, de quantos anos eu nem sei, o Carlostambém
conhecido e amigo desde as brumas da memória - contemplou-me com um leitor de vídeos
e uma mala cheia de filmes que vão da Ciència pura à mais descabelada pornografia.
Por ordem: A Manela tinha sido operada às cataratas há dois dias. É uma mulher bonita, ecologista,
progressista, fã da reciclagem e da igualdade de oportunidades para toda a gente em todo o Mundo.
Foi ela que me deu o Francis, sepultado aqui no meio do milho – talvez no dia em que a sua velha
dona foi operada às cataratas. Coincidência?
O Quim é um velhíssimo amigo- ainda dos tempos da Quinta de Saragoça- de quando queriam
proibi-lo de levar o carro até à minha porta. Tempos quentes da Revolução de Abril, de quando ele e
eu acreditávamos na Reforma Agrária, no ensino gratuito para todos, na educação universal
obrigatória, nos Bairros operários, na promoção dos mais desfavorecidos...Agora é só ele que
acredita ainda em tudo isso. Eu, infelizmente, troquei a ideologia pelo cheiro morno, sexual, do
casqueiro do Escoural e do paio de porco preto de Barrancos.
Bebemos uns razoáveis tintos de tendência já globalizante – dos que vêm em caixinhas cúbicas
como antigamente as talochas e os pregos das Fábricas do Norte para as drogarias.
O Zé e a Teresa. Ele é um bom poeta. Escreve também sobre o vinho tinto, ramos de oliveira
pendendo sobre muros caiados.
Vieram trazer-me o JB – tiveram que abrir e franquear dois portões de arame farpado, foi,
naturalmente a Teresa quem esteve de serviço, retribui oferecendo-lhes um bonito exemplar de
Príncipe Negro que tinha abacelado no Outono – com rosas já abertas e botões em vias disso.
Abalaram à pressa, que têm os dois a vida muito preenchida. Desobriguei-os de fecharem os portões
– eu próprio me encarregaria disso quando fosse de bicicleta à Igrejinha por tabaco e por avistar-me
com pessoas.
E assim aconteceu. Só que, no regresso, não fechei convenientemente o último portão, o mais
próximo de casa, e quando me levantei hoje, antes das 8 da manhã, a primeira coisa que avistei foi
um enormíssimo rebanho de vacas a espezinhar o milho do vizinho e passeando descontraidamente
junto ao Monte, em frente das janelas. Bolas, ia colapsando: há mais de quinze dias os portões
fechados – sem vacas a pastar - logo na primeira oportunidade em que ponho menos cuidado na
tarefa, se lembraram de inaugurar a pastagem nessa cerca!
Corri à rua, esbaforido como se fosse apagar incêndio, maratonei pelo milho dentro tentando cercar
e arrebanhar ( ganhei a origem etimológica da palavra: juntar ao rebanho) arrebanhar as talvez 50
vacas que se tinham escapulido...qual quê! Gritei, peguei pedras e atirei, tentei assobiar como o
pastor, ladrar como cão de guarda – tudo em vão. As vacas espalhavam-se pelo milho numa orgia de
destruição e divertimento.
Mesmo rigorosamente proibido de conduzir – subi no carro, que mal já sei manipular- e saí
disparado emquem permitiu a trágica evasão. Ele, sim, vem acompanhado de dois magníficos exemplares
caninos- pastores alemães enxertados de rafeiros, contudo belos, meigos/agressivos, nervosos,
armadilhados à espera de ordens do seu dono.
Vai juntar os cerca de 200 animais que recusaram evadir-se: mães lustrosas, gordas, barulhentas,
chamando os filhos em urros lancinantes, correndo em direcção ao porto que só elas, os cães e o
pastor conhecem na Ribeira. Levantam pó por sobre a várzea, como os gnus dos filmes das reservas
africanas, ou os as cenas de cow-boys nas pradarias da América.
Só se veêm os cães quando saltam por cima da pastagem seca que os envolve, naufragos aflitos que
de vez em quando emergem das ondas alterosas. O pastor, ao longe, cada vez mais distante, é já um
matraquilho diluido na paisagem – sabemos que ele existe pelos gritos ritmados que vai lançando
em direcção às vacas.
Ligo-lhe, pelo telemóvel, passadas talvez umas duas horas, para saber em que resultou a
movimentada operação. Que sim, que o problema desta vez já estava resolvido: As vacas evadidas,
espalhadas pelo milho ou dispersas pela paisagem, estavam finalmente arrebanhadas.
Quanto ao Carlos – para não maçar em demasia o meu leitor – guardarei para próxima edição. Não,
contudo, sem dizer que não um mas três foram os leitores de vídeo que me trouxe, e mesmo assim
nada fácil seleccionar o que em condições de qualidade mínima conseguisse reproduzir o malão de
Ciência e pornografia que me encheu a casa dos arrumos.
Velhos aparelhos cheios de manhas e de truques, semelhando peças de museu – do tempo do
animatógrafo- de cujas ligações eléctricas e electrónicas complexas esperei ainda ver explodir o
meu também vetusto aparelho de televisão. Faíscas e coriscos breves vi eu ainda na penumbra da
sala mal iluminada! Mas não, tudo acabou em paz. E disso darei conta quando este pobre coração
ganhar a necessária estabilidade.
Abraços ou beijinhos – conforme quem tiver a paciência de me ler busca do pastor. E o pastor chegou, entre pragas contra as vacas e imprecações contra

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