sábado, 9 de junho de 2007

INSTRUÇÕES PRIMÁRIAS

Antigamente a comunicação fazia-se por cartas:
namorava-se; negociava-se; declaravam-se guerras ou propunham-se armistícios; anunciava-se um
nascimento ou a própria morte – por carta.
Não raro, quando o destinatário tomava conta do acontecimento já o escalracho invadia a campa do
defunto ou a criança anunciada engatinhava pela casa toda. O inimigo que se convidava à Guerra
teria esgotado as reservas de aveia para as cavalgaduras; a namorada – ante a longa demora do
Correio – terá sido, com sucesso, cortejada, e conquistada, pela simpática figura do carteiro.
Àparte estas situações extremadas, a espera de uma carta nunca deixava de ser uma prolongada
comichão, uma intratável brotoeja, uma sarna incómoda que não nos abandonava enquanto o
homem de farda de cotim cinzento e corneta de cobre reluzente não parava ao pé de nós, fazia o
gesto interminável de levar a mão ao saco de cabedal, onde cabia o mundo, e sacava de lá um
valioso rectangulozinho azul ornamentado por um selo que era um pássaro.
O selo tinha sido colado – sabíamo-lo – com saliva sagrada da pessoa amada.
Uma carta confortava-nos por um mês. Lia-se, relia-se, trelia-se – guardava-se no bolso da camisa
mais chegado ao coração.
Hoje não – temos os computadores, a Net, a chamada Banda Larga, a comunicação directa pelo
espaço, pelo éter, pelo nada, os telemóveis e os insípidos SMS – insípidos, incolores e inodoros.
E a certeza fria, iniludível, de que ninguém tem nada de importante a transmitir-nos.
“desta que te ama”, escrito numa folha perfumada de papel azul, não tem nada a ver com o que
possa chegar-nos, dada a volta ao mundo, pela mão metálica, gelada de qualquer tecnologia.
Beijos!

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