domingo, 8 de julho de 2007

INSTRUÇÕES PRIMÁRIAS
A UNIVERSIDADE E O GATO PRETO
Passo pela Universidade – esta, a nossa, de Évora – por ciclos. Na ordem dos dez anos. Uma espécie
de cio do conhecimento de longo ciclo. Ainda este ano, antes de ficar desencartado, frequentei dois
cursos de Literatura e arte. É bom aprender, conhecer os Professores e os Colegas, falar de coisas
diferentes do que nos é servido no quase sempre monótono dia-a-dia.
Nunca fui brilhante em matéria de apreender/reproduzir – que é a grande linha-mestra do ensino.
Sou, sempre fui, mediano ou abaixo disso – uma classe média/baixa, como em tudo na vida. Fiz o
Liceu, em Portalegre, com média de 12; Curso de regente-agrícola com 12.3 ; licenciatura em
Sociologia próximo do 13; acabo de concluir o mestrado em Ecologia Humana com classificação
que desconheço ainda – por não ter tido oportunidade, nem dinheiro de sobra, para ir levantar o
respectivo documento comprovativo. Mas não deve escapar à regra!
Às vezes dou comigo a questionar-me sobre o que me serve ter andado por ali tantos anos a moer a
paciência – a mim e aos outros. Mas ainda há menos de uma hora dei por que não foi em vão que
passeei por aqueles extensos corredores de xistos e abóbadas, por aqueles claustros de beleza
beatífica, por aquelas Salas pintadas – de frescos artísticos de museu.
Abri a porta, onde costumam esperar-me a Christie e um gato azeviche, de olho amendoado, que na
floresta húmida tropical bem podia ser tomado por Pantera.
Os gatos pretos têm comportamentos especiais – é do senso comum-: mais esquivos, ariscos, menos
sociais. Não faltam aforismos sobre este tipo de animais.
Estes comportamentos são estudados por uma Ciência jovem – inícios do século passado – que dá
pelo nome de Etologia. Do grego Ethos – de costumes, comportamentos, hábitos. O mesmo de
etnologia, etnografia (grupo Etnográfico).
E o estudo exegético de tais comportamentos pode ser transposto para o social humano. Daí a
Etologia Humana, Disciplina Curricular da licenciatura em Sociologia.
O harém dos galos (quantas galinhas podem ter? ) , qual a hierarquia estabelecida para efeitos de
reprodução?, quais as que podem acompanhá-lo mais de perto? - aquela cena machista de
esgaravatar a terra em busca de sementes ou de vermes para contemplar a namorada..., a trombeta
estridente que abre o fecho-eclaire da madrugada: Quem é o Rei, quem é? Quem é que manda aqui?
É isso. A Etologia estuda tudo issso. E a Etologia humana adapta o comportamento galináceo à
realidade das pessoas, dos actores sociais. Com quantos homens-galos lidamos no nosso dia-a-dia!
Já pensou?
E o Gato preto? O que há de etologia no seu comportamento? E, se houver, o que tem isso a ver
com a realidade humana? Começo por dizer-Vos que me sinto um Gato preto!
A Christie – não sei por quê – faltou à ração de leite matinal. Estava só o gato preto à porta, podia
ver-lhe a sombra no exterior. Com a Christie, teriam entrado em simultâneo, de rompante. Sózinho,
a reacção imediata do gato preto foi a fuga. Para voltar depois, dissimulado entre flores e ervas,
roseiras e hortelã, até se aproximar da porta entreaberta.
E o gato preto- anónimo, mas que podia ser Pantera – estuda a porta. Podia facilmente franqueá-la.
Subir o degrau suave em que ela assenta, e pronto, simplesmente entrar. Mas não: como se fosse eu,
o gato preto recusa a entrada formal que lhe é mostrada, escancarada. Correndo o risco de ficar
entalado, esforça-se – e consegue – passar por debaixo da porta.
Julgo ter dado por isto porque, há já não sei quantos anos, um jovem Professor da Universidade de
Évora me terá contemplado com um 12 (suponho) à sua Disciplina de Etologia Humana.
Grato aos dois: ao Professor e à Universidade
António Saias

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