sexta-feira, 20 de julho de 2007

O HOMEM QUE MORDEU O BURRO

A estória acaba de me ser contada por Teresa – mulher do meu velho amigo Orlando – no período
de aquecimento para uma habitual prolongada semanal sessão de jogo de sueca. Sabem como é:
enquanto se levanta ainda a mesa do jantar, se lava alguma loiça, se põe a funcionar o clássico
moinho de café, os adversários convidados vão pegando os copos e servindo-se das bebidas muito
arrumadinhas numa bandeja de bambú, tasquinhando um tremocinho brilhante (uma espécie de
brinco com pérola de Vermeer) aqui, um rim corado de cajú ali, traficando com os anfitriões as
últimas novidades da Aldeia
Orlando dá por terminada a barulhenta moenda do café, desliga o moinho e liga a máquina,
aproxima de si uma bandeja com as chávenas, e dá de imediato início à olorosa tarefa de tirar uma
bica per capita.
Teresa acaba de lavar a loiça. Retira o avental verde e amarelo, sacode-o graciosamente e pendura-o
no cabide. Uma cadela pequena e uma coelha muito grande brincam como irmãs, alternam-se em
perseguições por entre a floresta de pés de mesas e cadeiras, escondendo-se nas estreitas grutas
naturais formadas por móveis mais rasteiros.
A noite – a despeito de Julho ir já pela cintura – está relativamente fresca, desmentindo a nova
teoria de aquecimento global irreversível. Serenada a actividade doméstica, o pessoal acomoda-se
à volta de uma mesa, onde supostamente irá travar-se a batalha da sueca. Mas Orlando está
demasiado loquaz – longe, muito longe do mutismo exigido à prática do jogo de que se diz ter sido
inventado por praticantes mudos. E Teresa, e Maria Helena, e Rosalina, e respectivos maridos –
todos mais ligados ao sabor da conversa efervescente do que à expectativa de sairem paus ou ouros
como trunfo.
É então que Teresa conta a estória, insólita de todo, que faz título da crónica:
Éramos sete irmãos – vivíamos numa quinta, nos arredores da cidade, cultivávamos frutas e
legumes, criávamos algum gado e animais de capoeira. Para consumo próprio, e quando havia
excedentes eram vendidos na cidade. O meu pai – dizer desde já que era um impenitente
frequentador de Tascas – engatava o burro ( Topo Jijo) na carroça, carregava os frescos
destinados ao comércio, e ala, que se fazia tarde.
Já sabíamos que o dia ia ser passado nisso: receber o dinheirito dos produtos e tratar de o
distribuir pelas tabernas no regresso.
Um dia, estando o pai doente, foi a mãe que se encarregou da regular distribuição. E, surpresa ou
talvez não, o Topo Jijo em viagem de retorno parou em todas as tabernas do caminho.
Já, de outra vez, pretendendo o pai levar o burro ao ferrador, de que havia de lembrar-se!:
amarrá-lo à motorizada, e conduzi-lo, assim, de forma mais acelerada.
Só que o Topo Jijo não se mostrou pelos ajustes, e recusou, com a determinação própria da
espécie, esboçar um único passo na esteira do roncar da motorizada. Nem para trás nem para
diante. Especado e firme, inamovível que nem um poste de telefone....
Ai ele é isso – diz o pai – desamarra-o da Zundap, e pula-lhe para cima. Mas, com a mesma
ligeireza com que o cavalgou, assim Topo Jijo o derribou. Entre coice e cangocha – foi obra de
segundos.
Empoeirado e maltaratado do percalço, levantou-se colérico, pegou o Topo Jijo pelo cabresto,
agarrou-lhe a orelha mais a jeito e cravou-lhe furiosamente os dentes.
Vingado de tanta malvadez do burro, caiu apoplético no chão
Desmaiou – conta Teresa, induzindo, com esta, uma sessão de estórias em cenários diferentes
protagonizadas por outros personagens, tendo-se assim gorado aquela prevista noite de sueca.
Espero que como eu se tenham divertido

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