domingo, 15 de julho de 2007

VERÃO ESCALDANTE

As formigas são de tamanho médio- nem as milheirinhas, que farejam o mel e o açúcar, que
povoam a casa como um hálito, chegam a insinuar-se pelos lençóis da cama; nem volumosas,
negras como as que transitam na rua carregando sementes e volumes vegetais dez vezes superiores
ao seu desprezível tamanho. As formigas de que falo agora, também domésticas como a praga do
mel e do açúcar, escavaram Bunker à entrada da casa, junto à porta, e ali vão armazenando vitualhas
que rabiscam pelo caos de géneros espalhados pela casa.
Não dei bem pelo prejuízo que podiam provocar-me. Via-as transitar serenamente em fila, como um
exército pacífico, que me levaria mais à contemplação do que à pulsão doentia da destruição.
Já tinha massacrado dois vespeiros: um numa roseira moribunda, devastadas as raízes pelas
toupeiras; outro- volumoso- no ângulo superior da janela do meu quarto. Com a justificação de que
tinha sido inocentemente inoculado pelo seu ódio venenoso. Pôr-de-sol, família reunida, alvéolos
cheios de crias – duas borrifadelas de spray insecticida, e uma dança mórbida, descoordenada, de
helicóptero atingido por fogo anti-aéreo: o fim definitivo do foco de ameaça.
O mesmo com as formigas: as duas borrifadelas clássicas; a mesma descoordenação motora,
anúncio inequívoco de morte. As que estavam guardadas no interior do Bunker, avisadas do perigo
deram em tentar evacuar as crias, os filhotes – larvas brancas, vivas, a pulsar como asticot das
varejeiras. Novo ataque aéreo com nevoeiro da morte – à semelhança das técnicas dos campos de
concentração nazis – e pronto: dossiê formigas encerrado.
Retomaria a noção de Etologia. E da sua ligação com o comportamento humano. Às relações de
força e de poder entre homens e animais. Entre os próprios homens. Entre nações, religiões,
ideologias. Entre homens e deuses. Porque são os deuses que dispõem do spray mágico homicida.
Que não utilizam mas colocam nas mãos de certos homens.
Em Beirute, no Líbano; em Islamabad, no Paquistão; em Bagdad e todo o Iraque – milhares de
vespeiros e formigueiros são atacados inexoravelmente a toda a hora. Por receio de que as formigas
se apropriem das suas tanta vez supéfluas vitualhas? Temendo o ódio venenoso que as vespas
podem instilar nos seus ombros nus ou nas veias salientes do pescoço?
O formigueiro de entrada de casa não foi radicalmente eliminado. Lá bem no fundo do Bunker
formigas avisadas terão repensando a estratégia de evacuar as crias em busca de salvá-las. Estarão
cuidando daquelas que sobraram dos raids mortíferos lançados por um inimigo poderoso –
sobretudo porque se sente sitiado no seu próprio território. O inimigo não cuidou de saber se o seu
isolamento se devia aos outros se a si próprio. Sente-se isolado mas tem força. Dispôe do spray
mágico com que pode destruir de imediato “quem”ouse minimamente incomodá-lo.
Até há pouco tempo, vespas e formigas não eram consideradas inimigo. Pelo contrário, objecto de
observação, de estudo, reconhecidas como parceiros de caminhada para o nada. Hoje não. Sabe que
não pode dominar nem sujeitar o Mundo. Mas não escapa ao fascínio de exercer o seu poder sobre
os mais fracos que o rodeiam.
Estival abraço para todo

Um comentário:

JR disse...

Então e uma solução de nicotina em vez da bomba atómica?
Ou isso é só nos cursos?
Um abraço!
Grande e boa colheita nestes quinze dias!